Ela pediu, sim, pediu. E ele disse que cantaria coisa besta, algo sem relevância, só para suprir os pedidos incessantes dela. Mas foi só fala de humildade, todos sabiam, ele sempre foi assim, charmosamente assim por excelência. Ela pediu e ele fez tão- bem-feitinho, como tudo que fazia pra ela, ainda que nunca tivesse se atentado para isso como uma prioridade.
Ela implorou, e ele disse que, agora pela segunda vez, só cantarolaria pelos cantos em distração, ou em ritmo dos passos de um caminhar distante. Ela implorou ao som de palmas que cantasse mais e mais e mais, porque até distante ainda era bonito, era puro, era distraído, era levemente livre por ser desatento. Mas no fundo, talvez nem tão fundo, ecoava em preocupação, apego, dependência, atenção. Atenção!só aclamava por atenção.
Ele aplaudia forte, sozinho, enquanto esperava eu cantarolar ao som daquela flauta doce na qual ele cismou em inovar. Ele aplaudia e tocava , doce, flauta, aquela falsa falta que mais era dependência, mas as palavras foram tornando-se raras, e por consideração cordial, eu cedi a ele uns assovios em melodias de lugar-comum. Nada era nosso, nada era sinfonia, nada era como o nunca aconteceu que ele compôs no ideal do aconteceria.
E eu acordava violões, violinos, flautas doces, reversas, pandeiros, chocalhos. Eu acordava com o tempo, e acordava em grito daquele silêncio mudo que ninguém se preocupa. Agora, o outro não se preocupa. O outro era ninguém, era todo um mundo. O outro era do mundo. O outro era mudo, dentro daquela orquestra ilógica. I-ló-gi-ca...ao ponto de afunilar-se,por fim, em um mundo com batucadas suaves d´Ela. Lógico...
Todos pedíamos, sim, todos nós pedíamos muito, mas sempre era insuficiente. Tudo era espera dentro daquela palidez engessada de cantar o quaisquer minha-tua-nossa pretensão em Villa Lobos se fez para acompanhar. E desafina. E desanima. E assim desafia as mesmas veias daquele único violão cego que soa sobre todos aqueles distintos desatinos sem acordes. Acorda! Mas ninguém sabe acordar...
Omar da Silva Ribeiro, 33, moreno-alto-bonito-sensual e um segredo.Todo o dia, eu disse TODO o dia, regava seus próximos dias em cima de um amor encolhido pelos cantos. Mas na primavera ele jurava que iria mudar e,otimista, acabaria floreando. Por tudo que era mais sagrado, ainda que não soubesse como.
Amar e seus segredos. Ela passa e pronto, aquele estalo ilógico que na-da consegue explicar. Ela não é pra mim, ela não gosta de mim, ela nem olha pra mim, e mais todos aqueles apreços e desprezos sobre preços,pesos e pesares. Porém, diante de um querer tão teimoso e cheio daquele “e pronto final” de vontade mimada, o espírito revolucionário-transgressor é sempre o primeiro a largar o barco em apego a bruta flor. É, de fato Omar tem até um certo deleite em amar, só não entende tal mecanismo .Simplesmente não-en-ten-de.
O mar e seu ser grego. Desaguares hierárquicos, sopros de ventanias, águas quentes, águas frias.Ressacas, muitas. Ondas que carregam matéria, pra dentro, pra fora, pra cima. Concha, caixote,corrente. Cores, tom-sobre-tom, som.Marés,sorte ou azar. E o grego? Diálogo em imaginação. Omar e seu tormento em segredo-grego: um amar com jeito de mar.
Flexões de desapego, três por turno. Copos d´água cheios de metades vazias. A verdade dói:
Vovó Mafalda era homem A Xuxa belisca as crianças e faz pacto com o demônio Os antigos prodígios da TV agora comem pilha e engravidam de presidiários para aparecer no Gugu. A áurea do início não é pra sempre (te ver não é mais tão bacana quanto à semana passada) Amor e encanto não coexistem,e. Não.
Respira fundo, respira para aceitar que, no fundo, a asfixia do auto-controle angustia
Pílulas de energético em cafeína, três por turno Só assim pode-se fotografar as apáticas noites insones, insossas.
Nada será como antes, Nunca. Conta-gotas de 100 kg de chumbo e algodão cada vez mais fortes contra a doce corrente da delicadeza
A verdade dói,tem razão. A mentira também. De sempre ter razão
Aceite e salte da janela para um chão raso Risos, apenas rasgos. Não fique na sacada
Essa vontade louca de me apaixonar ainda me leva ao toddy da madrugada. Margarina, pão e blanquete. Esquento na chapa e penso. Cenas soltas suas, algumas bandeiras me fazem rir em transportes bobos. O barulho do elevador de quem mora no último andar, perto da sala de máquinas. Já era para estar acostumada, mas sempre tenho medo que alguém toque a campainha inesperada,alguns passos e a estaticidade em penumbra diante de meu olho mágico. Nunca aconteceu, ainda que a música de ligações encerradas no intercine seja igualmente assustadora. Acendo a lâmpada do abajur.Apago.Faço isso umas três vezes até não ver mais lógica senão mania. Acendo um cigarro, não fumo enquanto ambiciono o sono seqüente. Desejo sonhos claros. Desejo mais sonhos em claro. E lembro que é daqui que sempre surge essa maldita vontade louca de me apaixonar
Mariazinha oh oh oh é a parte da fábula que nem Esopo, nem os Irmãos Grimm ousaram a escrever. Tem em si as lições mais encantadas, quando na prática atual mais soa como um auto-boicote. Seu toc mais supremo é a cisma em se apaixonar loucamente por todos aqueles que lhe querem mal,que lhe fazem mal ou lhe esfregam,sadicamente, uma indiferença proposital.Sua maior missão é mudar a perspectiva do mundo, mas não há nada de altruísta nessa questão. Ela quer mesmo é mirar os corações mais distantes a seu favor.
No dia que conseguiu enfim subverter o priori, Mariazinha oh oh oh se descobriu e dançou sobre a face de princesa a ser coroada, tão linda de ser admirada e com um país a sua espera para explanar sua nudez.Mas isso era o fim para Mariazinha oh oh oh.Ela gostava de guerra,desafio,adestramento diante da totalidade de facas e queijos sobre as mãos.
Então,por fim, Mariazinha oh oh oh dominou a Europa, a Oceania e mais um continente a sua escolha, e foi assim que viveu infeliz para sempre.
Assim é Mariazinha oh oh oh , sempre super valorizandoo percurso e rotulando a vitória como além da monotonia constante, mas simplesmente um grande pé no saco!
Só faltavam dois quarteirões para chegar em casa quando um temporal a surpreendeu sem espaços para pingos de anunciação: putaquepariu, tô de branco e esta bolsa ainda é emprestada – pensou, enquanto corria pra baixo da marquise de um correio fechado.
Não seria tão incoerente para um dia pelo avesso como aquele. Vamos lá, primeiro quadro: Despertador tocando se ela dança, eu danço e a notícia de véspera que seria o dia da limpeza na caixa d´água, logo, sem o banho. Segundo quadro: A comissão sobre as poucas vendas baratas quase nula. (#nowplaying: tem-te outra veeeez...) e ainda por cima fizera hora extra limpando o vômito seco de uma criança discreta na cabine dos fundos. Como se não bastasse, ainda perdera o último ônibus e teve que aceitar a carona do marido da dona da loja, que abdicou da sutileza das cantadas superficiais desde que o fantasma da consciência enrustidamente dentro do armário o chantageou mais intensamente.
- Ô sorte!
Mesmo que tivesse a vida toda não seria naquele cenário que queria gastar os seus tão contados minutos. Procurou a Marie Claire que guardava na bolsa, mas percebeu que esquecera no banheiro do shopping. Fazê-o-quê? Ah,sim, claro: hora de contar o número de cores distintas que tinha ao seu redor. Ô mania de contar tudo. Mas, respeitemos: era um dos TOC não superados nos tempos de infância. Sabia de cor do número de letras da legenda de seus filmes favoritos até a velocidade média dos passos por minuto dos seus incontáveis amores platônicos. Ative a máquina de calcular para acompanhá-la agora.
Ele vinha virando a esquina com um ritmo muito próprio, com a indiferença sobre um toró que encharcava sua blusa que não era branca e sua mochila típica-velha-de-guerra que não parecia ser emprestada. Assoviava bem alto chove-chuva-chove-sem-parar como um repente com o estalo oco dos pingos fortes batidos no asfalto também molhado. Uma forma despojadamente carismática para um estereótipo pseudo-marxista, com a barba propositalmente não feita e cabelos enrolados sem corte definido nem por aqueles que inventam a moda padrão. Cursava Ciências Sociais para não fugir da rota e usava chinelos com uma obrigação de quase um uniforme normalista.Tinha um belo sorriso de olhos.
Trinta e seis passos por minuto até parar em frente a mim – pensou aliviadamente orgulhosa.
Ele, como se falando ao vento, sem interlocutor definido e com um tom lento de quem pensava na hora, dizia que não queria pegar uma gripe e estava com os pés alagados demais a ponto certo de escorregar pelos infinitos buracos de rua e que, então, esperaria sob a marquise até que São Pedro encerrasse com sua faxina celestial.(resumidamente: bla-bla-bla-te-quero) Riu ironicamente de um jeito medroso e infantil. Riram juntos.
(ah, vai, como se Ela não soubesse) Entre três perguntas abrangentes, duas músicas favoritas em comum, um mesmo curso de inglês, uma mesma professora adorada, dois ciclos de amizades entrelaçados, um espelhado esfregar de mãos ansiosas, uma indagação:
- Me beijaria?
Pensa rápido: Uma chuva há tempos paradaUma bolsa emprestada jogada sobre um pano sujo, como um quase cuidadoUma blusa branca manchada de um azul molhado em um tecido vagabundoUm beijo atrás da orelha máscula onde a água não chegara pela obstrução do cabelo e o perfume legítimo permanecia,e...
Cheiro familiar lhe era aquele. Entre um beijo e um amasso insistia em voltar às costas da orelha dele, enquanto ainda achava graça da epifania curiosa e tentava desvendar e acalmar aquela angustiazinha como de quem esquece o que ia falar.
Me lembra a infância – pensa – mas não me parece tão distante assim.
Arregala os olhos aos gritos internos sobre os resultados da averiguação do subconsciente: putamerda! Perfume do meu pai.
Por alguns instantes até tentou esquecer o lapso sem culpados, prender o ar, respirar pela boca, mas em pouquíssimo tempo sua imaginação sinestésica já projetou um bigode sobre seus lábios e uma barriga que esbarrava na sua assiduamente. Foi-se esfriando o tesão, a paixão ou qualquer outro flash de sensações, sentimentalistas ou não, que desabrocharam naquela noite. Rendeu-se a sua má vocação para Electra (teria H?).
E assim, com o mesmo molejo que Ele veio pela esquina, foi-se até sua casa próxima, só que agora assoviava tropeços pelo asfalto, que há pouco ganhara em som, ao se enrolar em dúvidas e cismas egocêntricas sobre seu desempenho. Ela seguiu caminho semelhante, mas com uma boa distância. Ria sozinha, de si, de sua desgraça, mexendo a cabeça gesticulando o não-a-cre-di-to, enquanto contabilizava tudo o que perdeu: uma blusa agora manchada, um dinheiro que não tinha em uma bolsa nova, o dinheiro que ganharia pelo dia de comissão, e antigas ilusões que há muito a distraia com idealizações previsíveis e bons sonhos futuros.