quinta-feira, outubro 30, 2008

Pêndulo de Newton

Ela pediu, sim, pediu. E ele disse que cantaria coisa besta, algo sem relevância, só para suprir os pedidos incessantes dela. Mas foi só fala de humildade, todos sabiam, ele sempre foi assim, charmosamente assim por excelência. Ela pediu e ele fez tão- bem-feitinho, como tudo que fazia pra ela, ainda que nunca tivesse se atentado para isso como uma prioridade.

Ela implorou, e ele disse que, agora pela segunda vez, só cantarolaria pelos cantos em distração, ou em ritmo dos passos de um caminhar distante. Ela implorou ao som de palmas que cantasse mais e mais e mais, porque até distante ainda era bonito, era puro, era distraído, era levemente livre por ser desatento. Mas no fundo, talvez nem tão fundo, ecoava em preocupação, apego, dependência, atenção. Atenção!só aclamava por atenção.

Ele aplaudia forte, sozinho, enquanto esperava eu cantarolar ao som daquela flauta doce na qual ele cismou em inovar. Ele aplaudia e tocava , doce, flauta, aquela falsa falta que mais era dependência, mas as palavras foram tornando-se raras, e por consideração cordial, eu cedi a ele uns assovios em melodias de lugar-comum. Nada era nosso, nada era sinfonia, nada era como o nunca aconteceu que ele compôs no ideal do aconteceria.

E eu acordava violões, violinos, flautas doces, reversas, pandeiros, chocalhos. Eu acordava com o tempo, e acordava em grito daquele silêncio mudo que ninguém se preocupa. Agora, o outro não se preocupa. O outro era ninguém, era todo um mundo. O outro era do mundo. O outro era mudo, dentro daquela orquestra ilógica. I-ló-gi-ca...ao ponto de afunilar-se,por fim, em um mundo com batucadas suaves d´Ela. Lógico...

Todos pedíamos, sim, todos nós pedíamos muito, mas sempre era insuficiente. Tudo era espera dentro daquela palidez engessada de cantar o quaisquer minha-tua-nossa pretensão em Villa Lobos se fez para acompanhar. E desafina. E desanima. E assim desafia as mesmas veias daquele único violão cego que soa sobre todos aqueles distintos desatinos sem acordes. Acorda! Mas ninguém sabe acordar...

3 comentários:

Paulo Cerezo disse...

Adoro suas analogias. Parabéns, continua ótima como sempre, querida. Beijo.

André Vargas disse...

Seu jogar com as palavras brinca com a gente e joga a gente para lá e para cá. E é bom esse balancê. É como uma rede em que brincamos de barquinho ou um barquinho que balança na lagoa e não é que “a brincadeira tenha um fundo de verdade” (Quem criou a frase está rico ou morto, mas eu não queria essa honra), mas é com a verdade que a gente brinca.
É sempre bom ouvir musicalidade nas palavras – como já conversamos – mas quando a musicalidade está inserida no contexto tudo fica mais calmo, sereno e luminoso. Até mesmo no “e depois que tudo acaba?”.
Me fez bem conversar contigo – “sempre bom ouvir as pessoas que têm a delicadeza e o sentido de quem escreve” – assim como me um faz bem danado ler você! (sempre bom ler textos que mesmo carregados de sentimentos, em sua construção, na forma como você brinca, são textos irreverentes.

Anônimo disse...

Que blog legal.