segunda-feira, maio 23, 2011

Progressão Geométrica

I

Nunca! Nunca mesmo. Você nunca vai se sentir inteiro sem achar alguém que te complete. Não adianta, no fundo, a vida é assim. Você estuda, trabalha, pode ter fama, dinheiro, mas sempre vão dizer que falta alguém para amar e, se bobear, ainda cantam um trecho daquela “é impossível ser feliz sozinhooo”, ou vai dizer que eu tô errado? Sério, eu me sinto assim. Depois que eu conheci a Karina e a gente construiu nossa história por esses oito anos, não consigo mais me imaginar longe dela. Sério mesmo. Acho que ela é o centro da minha vida, desde então. Nosso amigos são os mesmos, aniversário da mãe dela já é feriado na minha agenda, comer medalhão com arroz à piamontese, às quintas, no La Mole, de lei. Agora até gosto de Maria Gadú, acredita? É a nossa trilha sonora, a favorita dela. Quando ela começa a ficar meio estranha... sabe, essas coisas de balançar a relação com o tempo? Fico meio tenso... Mas, se ela for, tiver mesmo que ir, que seja quando outra já estiver prestes a ocupar o mesmo lugar. Sabe, vou confessar uma coisa para vocês porque somos bem próximos. É sempre bom manter alguém por perto para essas horas. Nem falo em trair, não, mas, uma espécie de estepe. Alguém que você simpatize, tenho coisas em comum, te atraia fisicamente, uma boa projeção de afeto, entende? E vai mantendo uma relação paralela, distante, sem que te comprometa, mas, sem deixar que as portas se fechem totalmente. A questão é: sempre manter os reservas aquecidos. E ainda tem algumas vantagens, como aquela boa sensação de flerte inicial, de descoberta do outro, da curiosidade gratuita... Tudo bem, já até sei que o Leo vai dizer que isso é escroto, parece meio frio mesmo quando eu falo assim. Mas isso é coisa de gente que ama demais e tem muito amor guardado para dar e viver. Meu jeito de amar é assim, necessita da cumplicidade e do aconchego de uma companhia constante. Na verdade, nem sei se isso é jeito de amar ou sinceridade com o conceito de amor.

II

Nunca diga. Essa é a questão, Rodrigo. Olha, não sei se vou conseguir ser claro com vocês, mas vou tentar. Garçom, traz um papel vazio, por favor. Eu sei que falam em branco, calma. Mas o branco nem sempre é vazio, concorda, gente? O importante que eu vou preenchê-lo, seja com palavras, rabiscos, cuspe, ou o que seja, mas vai deixar de ser vazio. Para mim, o amor é assim, é maior do que a restrição a presença constante. Você não precisa, necessariamente, estar com alguém, mas buscar um traço desse alguém ao ponto de fazer de seu coração preenchido. Mesmo de um outro inventado, uma ficção, uma imagem. Afinal, Rodrigo, o que é a sua Karina se não uma imagem criada por você? A imagem de sua amada namorada. Por que, além de você, ela é filha, neta, amiga, conhecida, ou a moça que trabalha na galeria de arte em frente a estação do metrô Siqueira Campos, não é? Então, por que não bancar a carapuça de mulher ideal quando você entrega o script tão mastigadinho para ela? Não sei se chega a ser, necessariamente(!), algo dela, mas seu. Seu amor é sozinho, assim como o dela em relação a você ou como qualquer tipo de amor. Aliás, já reparou que você muda a voz quando fala com ela ao telefone? Por sinal, com sua mãe também, já viu? Pois é, a lógica é a mesma. É o silêncio da verdade para se permitir a ficção, preencher papéis diante de um vazio de vida real. Compreende?

Por isso que eu sempre digo quando o Leo começa a me encher com esses lances de “platônico demais” e “achar um equilíbrio”: para sempre é uma questão de visão. Essa é a minha filosofia de vida, devia tatuar isso em japonês no meu anti-braço... Alguém pode estar ao seu lado todo santo dia e roubar menos tempo do seu pensamento do que uma pessoa que você não vê há anos, mas escolheu para amar. Ainda vem com esse papo de “a Karina me completa”, Rodrigão? Fala sério, né...

III

Nunca diga nunca. Nunca pense que amor ideal é quando o outro divide a vida com você, seja do jeito que for. Chama, por favor, aquele moço da pipoca ali fora, Otávio. Oi, moço, eu quero um saco grande pra viagem. Pode ser doce ou salgada, você escolhe, isso não importa. Ou melhor, meio a meio , por favor. Obrigada. Vejam, rapazes. No momento em que eu separo os sacos, caem algumas pipocas no chão, conseguem ver? Pois, então, isso é o amor entre duas pessoas. São dois sacos que, sozinhos, têm um conteúdo próprio, mas, quando juntos, têm algo que não pertence a nenhum deles e, ao mesmo tempo, faz parte de um terceiro plano que compõem juntos. São exatamente essas pipocas que caíram no chão que fazem de cada um mais, melhor. É preciso entender que amor e vida são coisas diferentes, ainda que possa haver muito amor na vida e muita vida no amor, compreendem? Em um relacionamento entre duas pessoas ou duas imagens como o Otávio acabou de dizer, que seja, é fundamental ter uma vida além do outro. Você pode ter seus amigos, seu trabalho, lazer próprio... Enfim, suas próprias pipocas. E, ao mesmo tempo, ter um contexto paralelo dedicado às pipocas do meio. Peraí, gente, calma, como o Leo sempre diz, isso não deve ser tão cartesiano. Porra, deixa eu falar! Não existe uma separação de horários, tipo as matérias do tempo de escola, isso vocês que estão deduzindo porque me interpretaram mal. Tudo pode se entrelaçar, sim, mas , deve ser de forma leve, mais tranquila, tão natural e instintivo que você nem se dá conta que tá vivendo, ou separando. Pra mim, amor é assim. Ninguém é o centro da relação, mas também não deve haver duas pontas separadas, entendem?É um meio termo onde o querer é o centro protegido pelas constantes boas vontades de ceder em ambos.

IV

Nunca diga: nunca diga. Olha, vocês sabem que sou meio na minha, não penso muito sobre essas coisas , meio travadão mesmo. Mas , sei lá, eu acho tão legal vocês falarem sobre isso, assim, de forma tão eloqüente. Eu gosto, eu amo, eu sei o que quero, com quem quero, mas não consigo demonstrar o me-nor interesse, tô sempre atrasado a acabo perdendo o timing da situação. Quando resolvo tentar tomar uma atitude, já é tarde e passou da validade de acontecer. Aí fico me sentindo culpado e cismado ao ponto de não conseguir fechar portas. Mas não são as portas do Rodrigo com as flertes dele, são as portas de uma suposta relação que, um dia, poderia ter dado certo se não fosse a minha falta de traquejo com o amor. Não adianta, uma relação também tem sua porta, tanto de entrada , quando de saída, e o tempo certo para permanecer ali dentro. E amar de verdade é assim: entender que, muitas vezes é preciso fechar uma porta para se continuar amando, só que de forma diferente. Assim como é preciso entender o momento exato de se entrar. Outro dia, um cara que fez faculdade comigo foi preso porque tava cheirando na rua. Não vou dizer que éramos próximos hoje em dia, mas, cara, ele foi meu amigão na faculdade e, como tava todo ferrado, achei que precisaria de um advogado. Fui oferecer meus serviços, né? Quando cheguei lá, começamos a conversar e ele fez uma analogia que me chamou muito a atenção. Ali, preso, ele não tinha para onde fugir, não tinha qualquer alternativa. Então, deveria se acostumar que aquele contexto era a nova vida dele, se adaptar e ser feliz, na forma que conseguir. Já com a cocaína , ele sentia como se tivesse também preso, mas com as chaves na mão, parado, na eterna dúvida entre abrir a porta e ir embora, lidar com o incerto do mundo, ou ficar ali, sem poder sair. É muito angustiante essa inércia causada pelo medo de não conseguir suportar suas escolhas. Bem ou mal, meu amor é assim. Não sou platônico e feliz, mas também não vivo a realidade. Estou sempre no meio termo. Por isso, acho bonito vocês falarem abertamente o que sentem, é importante. Mas, como o Leo sempre lembra, mais importando do que dizer é fazer. E o arrependimento é a conseqüência natural do quem está vivo. Nada paga a sensação de liberdade do “não deu, mas eu fui até o fim do meu limite”, não acham? Sabia que iriam concordar.

Agora, mudando um pouco de assunto, por que o Leo nunca vem aos nossos encontros, hein?!