quinta-feira, setembro 06, 2007

Boa noite,Fernando.

Boa noite,Fernando.

-Te acordei?

- Acordou.

-Perdão,mas só pude ligar agora.Sabe como é, fui promovido,tenho trabalhado bastante.As coisas parecem que tão dando certo e...

-É?Que bom...

-E sem contar que o meu projeto de doutorado tá cada vez mais completo.Acho que há tempos não me sinto tão realizado...

- Bom...

-É mesmo.E você?O que me conta?Há tempos não ouço sua voz.

-É, eu também não a escuto há um tempo.Talvez esse seja o motivo para os bons dias que tenho passado.De novo?Tenho dormido mais cedo.Exatamente o que estava fazendo até você me ligar.

-Que óóótimo!Li uma reportagem outro dia que tratava exatamente sobre esse assunto, o tempo de sono...

-Acho melhor praticarmos então,?Boa noite..

-Ei,ei,ei... mas já?

-Como já?Por que tudo sempre tem que ter o seu tempo?Agora tenho meus novos hábitos,meus novos planos,minha nova rotina..sua presença não dita mais nada nessa minha nova vida.

-Tão rápido assim?Até ontem você...

-Aprendi a acompanhar a velocidade de suas decisões.

-E se eu um dia eu me arrepender?O quarto dos fundos ainda...

-Virou escritório.Me arrependi de casar com você e nem por isso a vida me deu quarto dos fundos.

-Sabrina, eu acho que você está equivocada.

-Dez e vinte três da noite de uma quarta-feira normal?Acho que quem está equivocado é você,Mário.Ninguém liga essa hora pra casa de alguém que trabalhará cedo no dia seguinte.

-Mas lembro você ficava lendo até tarde da noite.Aliás, achava lindo a brasa do seu cigarro iluminando a fumaça no escuto e você ao fundo...

-Eu parei de fumar.

-Poxa,fico realmente feliz.Mesmo porque ontem eu vi uma reportagem,no mesmo canal daquela que eu te falei, que dizia..

-Mário, eu não quero saber...

-Você não me tratava assim

-E ainda assim você dormia com outra.Boa noite,Fernando.

-Fernando?Quem é Fernando?Por que você me chamou assim?Sabrina, você está...

-Ai,Mário!Que drama...é meu terapeuta.

-Ah...Mas ainda assim é homem e...

-Sim,Mário,estou dormindo com ele, agora me deixa em paz.

-Sa...Sa...Sabrina,que cara-de-pau!Nós temos filhos.

-São cachorros,Mário.

-Mas tratávamos como filhos...

-Eu os alimento todo o dia, levo-os pra passear, faço festinha e isso já basta para os cachorros.

-Ele faz massagem nos seus pés quando você acorda com caimbra à noite?

-Isso não te interessa.

-Aposto que não

-Ele faz.

-Ah..

-Bom, boa noite,?!

-A Dani também aprendeu suas vantagens rápido.Ela é esperta.

-Que bom,Mário.Agora boa noite.

-Você tá feliz?

-Claro.Estou ótima, não poderia estar melhor.

-Esse cara é legal?Bonito?

-Inteligente, culto,compreensivo,romântico...

-Tá bom,então.Não vou te perturbar mais.

-Ótimo.Boa noite,então.Sonhe com a Dani.Mesmo agora não tendo mais tanta graça pois não tem mais uma otária para enganar.

-Vou sonhar com você...

-Boa noite,Mário – E desliga o telefone.

Ela desaba a chorar.Abraça o travesseiro e mancha a fronha com sua maquiagem aguada.Espera,levanta.Pega o livro,acende o cigarro e dessa vez faz questão de ler em voz alta,para que o silêncio do destino a escutasse:

- “Era seu aniversário e a campainha não parava de tocar,porém não estava em casa para ninguém.Esperava apenas Fernando com suas flores,seus beijos e sua poesia. E assim foi.Os solitários cantos abandonados se confundiam com o timbre da voz dele,fazendo uma sinfonia radiante.E ele fazia questão de repetir,sem medo do compromisso com a eternidade:Je jamais vais regretter

E o cigarro se apagou levando consigo o último vestígio de luz na fumaça e,em seguida, a última fumaça.Sobre a intensa gravidade dos olhos, ela deitou sobre o livro, e assim adormeceu...