Entre todos os monstros de meus pensamentos e partidas ao longo da minha vida, esta é a única parte que aprendi a lembrar. Via tudo como um lago, só que não havia qualquer lago concreto, apenas um jeito tão sereno e quase genuíno do que não parecia ser mar, mas também era uma espécie de fluxo. Um fluxo de sensações onde nasciam minhas primeiras impressões do que estaria por vir.
Você. Por um momento pensei que pudesse tatear o rosto daquele você, mas quando me aprofundo naquela lembrança pontual, me dou conta de que era apenas um ator de cinema espanhol muito semelhante. Só que tudo era tão concreto entre fotos, bilhetes e poemas estampados no semblante sentado em um dos lugares verdes disponíveis no vagão do metrô que começo a duvidar dos meus olhos, e até, com muito esforço, posso recordar de mim mesma, como flashback de novela, e do desespero dos meus próprios olhos diante do que não se define. Eu ali, reclusa sobre a estação de quem espera algo que ainda está por vir a cada dois minutos, a cada espaço de vida. Temia, sim, disso eu me lembro bem. Tinha receio de não haver qualquer espaço mínimo para ingressar, ou será que meu problema estaria no tempo exato e suficiente para entrar de corpo inteiro antes que as portas se fechassem. Pode parecer corriqueiro demais para o questionamento, mas tinha a sensação de já ter me machucado algumas vezes e minha vaidade me alertava para a atenção. Mas nesse vagão eu fui, e mesmo já em movimento uniforme, entrei, e me deixei levar por aquele ritmo que você já acompanhara e pertencera há um tempo, há um bom tempo. E é exatamente nesse ponto que minhas lembranças quase se apagaram por completo, pouquíssimos detalhes me recordo bem, mas sei que foi esse o dia em que me acostumei a seguir fluxos. Aprendi a chorar nos dias de chuva, só para acompanhar o movimento dos pingos, a correr em ventanias, e entregar-me a estados febris diante do sol. E foi em meio a um desses delírios que tentaram me recordar o dia em que você foi embora. Aliás, quase todo dia tentam me fazer lembrar, mas só sei repetir sem sentimentos o que tanto me dizem; que isso tem anos, que eu tenho que superar. Mas todos os dias, todos esses mesmos dias, sento diante dessa mesma estação e observo vagões cheios, vazios, claros, escuros, mas nenhum ideal. Nunca mais ousei a entrar, só para contrariar a lógica daqueles todos que estavam ali, só para modificar, só para variar, só para poder esquecer. E diante de tantos monstros e partidas mastigadas, engolidas, excretadas, nada é mais lembrado do que minha tentativa em superar o que não se vai, e é exatamente no esconderijo do segredo que me submeto as mais eternas lembranças do vagão que não vem mais.